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Foto do escritorPET Ciências Sociais

Entrevista com Rodrigo Czajka na íntegra

Qual a importância de assistirmos a essa obra? “São vários elementos que tornam a obra importante. Não se trata apenas de um filme no sentido tradicional de se pensar o cinema e, sobretudo, o entretenimento. Ou seja, o Terra em Transe ele tá (sic.) em um movimento mais amplo no Brasil – no movimento cinematográfico do Brasil –, que é o Cinema Novo que, por sua vez, também está atrelado a outros movimentos políticos, culturais e ideológicos da produção cultural dos anos 60. Então o Glauber [Rocha] é uma das expressões do Cinema Novo junto com o Joaquim Pedro de Andrade, o Carlos Diegues, o Arnaldo Jabor, o César Saraceni e tantos outros aí que vão fazer uma discussão sobre identidade nacional, sobre cultura popular, desenvolvimentismo no Brasil na chave do cinema, na forma-cinema. O Glauber com Terra e Transe, que é um filme de 67, e a gente tem que considerar que também que há uma obra pregressa do Glauber. Ou seja, Terra em Transe é um filme que [podemos dizer assim] coroa um estágio de produção do próprio Glauber que começa com uma produção que vem no final dos anos 50 com o Barravento por exemplo, que é um filme que vai falar de uma comunidade de pescadores negros na Bahia. Mesmo depois, nós temos outros filmes, mas o mais emblemático aqui é o Deus e o Diabo na Terra do Sol, que é um filme que também lida com as questões da política, da religiosidade popular, o folclore na chave do chamado “nacional popular” na cultura brasileira. E o Terra em Transe, de 67, é um filme que coroa essa primeira fase porque ele tá (sic.) lidando com o nacional popular, tá (sic.) questionando toda essa discussão – sobretudo [essas discussões] que vinham das esquerdas políticas e culturais dos anos 60 – que é de tomar o papel do intelectual como uma figura da vanguarda revolucionária. O Glauber vai fazer um questionamento desse extergente político que é o intelectual. Aí você tem nos personagens do Terra em Transe a construção direta das classes sociais. Então o Jornalista, o Paulo, ele vai ser uma espécie de síntese dessas contradições e desses conflitos que o intelectual vive em 67 – já no auge da ditadura militar –, um ano antes do AI-5, que é um momento de recrudescimento da ditadura militar e aí os personagens sintetizam um pouco as contradições desse momento. Quais seriam as principais contradições? Então a esquerda que, de uma certa maneira, trabalha com uma chave, com um discurso, muito ligado ao chamado populismo das esquerdas (que vem lá desde o governo Jango). Você tem uma ditadura que fez alianças com setores da Igreja Católica (isso vai aparecer muito no filme). E algo que vai já sendo, aos poucos, gestado de 66 para 67 que é mais ou menos uma visão caleidoscópica da realidade brasileira, que vai aparecer, por exemplo, nas obras do Helio Oiticica e mesmo no movimento Tropicalista – seja no cinema ou seja na música – que é uma leitura um tanto quanto caleidoscópica, contraditória, multifacetada da realidade brasileira. Aquele discurso do Paulo Autran na escadaria do Teatro Municipal que ele fala “por amor à guerra, à ordem, à violência” ele vai “botar as histéricas tradições em ordem” tem a ver com o discurso dos militares que, ao mesmo tempo, tentam desenvolver um discurso progressista neo-desenvolvimentista, ou, como se chamava nos anos 60, do chamado “modernismo conservador” ou da “modernização conservadora”, esses mesmos militares vão evocar um passado heroico. Então a disputa, por exemplo, pela figura do Tiradentes vai ser uma coisa muito interessante a ser pensada nos anos 60. A ideia, a tradição, a identidade de Tiradentes vão ser disputadas tanto pelas esquerdas quanto pelos militares. Então é interessantíssimo como isso aparece no filme, como a ideia de modernização será disputada pelas esquerdas e pela direita política - sobretudo os militares nesse momento. [Então] o filme é, ao mesmo, tempo uma síntese dessas contradições do Brasil nos anos 60, mas também ele já aponta para outros elementos para pensar a cultura brasileira numa outra chave, [que é], não apenas imaginar o desenvolvimento considerando etapas históricas – como se estivéssemos superando uma etapa “mais arcaica” em direção a um desenvolvimento mais pleno e absoluto da sociedade brasileira (pensando, obviamente, na chave econômica) –, mas também levando em consideração aquilo que o Trótski, por exemplo, vai falar do “desenvolvimento desigual e combinado”. Aliás, em 67, há uma disseminação muito farta de leituras da chamada Teoria Marxista da Dependência que vai muito nessa perspectiva de tomar o Brasil – na chave do capitalismo periférico – não como uma entidade, um Estado, economicamente dependente, mas também cultural e socialmente dependente das relações do capital situadas no contexto internacional onde os Estados Unidos têm a primazia nesse processo. Então o Glauber aponta, vamos dizer assim, muito próximo do Jabor naquele outro filme chamado “Opinião Pública” (também de 67), essas contradições de uma classe média em geral, dos poderes constituídos que, de uma certa maneira, evoca uma tradição para, a partir dessa tradição, promover uma renovação e uma modernização da sociedade brasileira. Mas essa modernização, por sua vez, é autoritária. [Então] o Terra em Transe ele martela nessa tecla, de como nossa modernização é conservadora e, por ser conservadora, ela recupera elementos arcaicos. [Então] o Terra em Transe, por exemplo, dialoga muito com aquela canção do Caetano [Veloso], “Tropicália”, que é uma canção que vai mostrar também esses paradoxos da sociedade brasileira que, ao mesmo tempo, se desenvolve, se moderniza, se torna “uma nação do futuro” – nas palavras dos militares, “o país do futuro” -, mas que este futuro está situado na recuperação de um passado arcaico e profundamente desigual e oligárquico. E o filme Terra em Transe é uma espécie de síntese desse discurso que, por sua vez, começa a ser desenhado nas ciências sociais, [como teoria social], na teoria marxista da dependência. Tô (sic.) lembrando aqui, fundamentalmente do Ruy Mauro Marini, o Theotoni dos Santos e Vania Bambirra, que vão postular as teses do chamado dependentismo econômico numa chave marxista, numa chave materialista.”

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