Por Yasmin Victoria
O ArtePet é um projeto do PET de Ciências Sociais que promove eventos acadêmicos e culturais como o CinePET e agora, o ArtePet debate, que teve como primeiro tema a performance como fazer político de resistência. O evento ocorreu no dia 28 de setembro no anfiteatro 200 da biblioteca de humanas, na reitoria, com o título “ArtePET debate: performance enquanto ato político”. O evento consistiu em uma mesa de debate iniciado após a apresentação de cada convidado. A mesa contou com cinco convidadxs e mediação minha.
A primeira apresentação foi das duas palhaças, Mina e Nanique, do coletivo Risas y Rebeldia, que pautaram “acordos” precários de trabalho, principalmente referentes à aposentadoria e outros direitos trabalhistas, exemplificando a situação já referida por Marx de “exército de reserva” dos trabalhadores, que se sujeitam a péssimas condições de trabalho pois poderiam ser facilmente substituídos, por conta do alto grau de desemprego. Dentro disso, fizeram um recorte de gênero muito importante sobre temas como a diferença salarial entre homens e mulheres e a rejeição da mulher que tem ou pretende ter filhos dentro do mercado de trabalho.
Em seguida, o performer da noite curitibana, LuaNegra, fez uma leitura dramática de um texto autobiográfico falando da sua ‘’resistência enquanto artista e enquanto pessoa na sociedade de hoje’’, como ele mesmo colocou. O texto permeava questões que estão sempre presentes em seu trabalho, como a dor dos povos negros escravizados, e a sobrevivência diária da pessoa negra e lgbt em um país racista e violento com corpos negros e divergentes da norma binária de dominação masculina. Sua luta permanece no reconhecimento e respeito a seus ancestrais, além da ocupação dos espaços, sabendo que seu corpo é um símbolo de resistência por si só.
A última apresentação, da pesquisadora licenciada em artes visuais pela UFPR, Greyce Santos, que pesquisa a arte na esfera pública como forma de ação política, ações artísticas que tem como objetivo envolver as pessoas, pensar formas de se reconectar e restituir vínculos, em um momento de fragilidade e instabilidade política no Brasil e nas artes como um todo. Um exemplo desse tipo de ação, apresentado por ela, foi o Silhuetaço, movimento organizado no fim da última ditadura argentina, encabeçado por mães de jovens desaparecidos. Em 1983, os números marcaram 30.000 desaparecidos. Os artistas locais tiveram a ideia de desenhar 30.000 silhuetas para representá-los, e tiveram ajuda das mães e outros manifestantes para produzi-las e pregá-las na chamada praça de maio.
Por fim, Dalvinha Brandão, comediante, drag queen conhecida por impulsionar a cena drag de Curitiba, optou por não fazer uma apresentação formal; toda sua ‘’montação’’, sua presença e comentários marcantes já eram explicativos por si só, sendo feita assim uma breve apresentação por mim e por ela antes de iniciar o debate. Dalvinha estuda e repassa por meio de cursos não só as técnicas mas a história do transformismo brasileiro.
O debate foi iniciado a partir da ideia do palhaço como uma personagem essencialmente político. Na sua origem, o palhaço é inspirado nas camadas sociais baixas, nos trabalhadores que não tem dinheiro pra comprar roupas da moda; aparenta sempre estar com roupas de segunda mão, que não servem ou não combinam direito. O palhaço é um sujeito que se expõem ao ridículo, que provoca, que gera a risada. Palhaças mulheres sempre existiram, mas agora possuem cada vez mais visibilidade, sempre com um desafio a mais de ocupar esse espaço antes não concedido.
Como Dalvinha coloca, a função do humor é produzir um retrato da sociedade, e em muitos casos, da parte contraditória, esquecida e não tão explícita da sociedade, seja de preceito ou de pessoas que fujam de um padrão esperado, como o palhaço e a drag. O específico da drag é que ela causa reações não só na esfera da apresentação ou da instituição das artes cênicas; ela transita em um mundo que reage a ela.
Como aponta Greyce, essa interação cotidiana é importante para que a arte saia de seus moldes institucionais e chegue de fato nas pessoas; a arte em si já tem aspectos políticos, pois ela é reflexiva e provém do subjetivo. Iniciativas como a de LuaNegra, de performar em festas, combina a experiência visual e estética com reflexões importantes, como a de raça no Brasil, levando a arte para pessoas que não necessariamente procurariam por ela.
A performance ainda mais cotidiana é a do próprio corpo, andando na rua, e causando reações nas pessoas ao redor. Corpos que por si só já causam estranhamento, conjuntamente com objetos e características que parecem estar fora do lugar. É isso que acontece quando Dalvinha Brandão, montada, se dirige a algum lugar, ou quando LuaNegra, homem, negro, veste uma saia, sai de casa e permanece em algum lugar. Ou quando as palhaças, mulheres, vestem roupas consideradas masculina, prendem o cabelo, e andam pelas ruas. Como comenta Dalvinha Brandão, para a maioria dos artistas esse burburinho causado não é suficiente, é necessário criar um diálogo e uma forma de ação efetiva que ultrapasse a sensibilização.
As crescentes relações e discussões feitas entre a arte e a política não são à toa; os artistas foram os que sentiram fortemente uma onda de repressão e conservadorismo, principalmente após 2016, vindo pra cima de seus corpos e trabalhos. Agora, estamos em um momento de aprender a criar diálogos para possibilitar nossa existência e a de nossos trabalhos, não só com as esferas jurídicas mas também com as civis. É um momento de manter nossos direitos.
A partir disso, ficou o questionamento sobre como fazer isso e até que ponto a arte tem essa função de ser didática, perdendo sua característica mais subjetiva de sensibilização. Foram discutidas as recentes censuras nas artes, tanto performances quanto visuais, como a apreensão pela polícia dos equipamentos de som da companhia de teatro curitibana Selvática, no meio de uma performance que lidava com gênero, mas dentro do horário permitido por lei; ou a exposição de arte apoiada pelo Santander, que foi censurada após uma das lideranças de extrema-direita acusar uma obra de 1967, que explorava a sensibilidade, de retratar pedofilia. Já não é o bastante sermos artistas; necessitamos de representantes e de nos fazermos presentes, nos organizarmos enquanto coletivo. Grupos como MBL, se organizam para atacar expressões artísticas, se utilizando de categorias sensíveis e extremas, como a pedofilia, que geram uma reação irracional no senso comum; algo que gera uma reação caótica, e dialoga com as massas. Precisamos estar prontos para lidar com essas situações e dialogar com a mesma massa. Só não sabemos como.
Nesse momento de incertezas e desesperança política no brasil como um todo, a arte sofre um retrocesso e fica com incertezas de que modo agir, e fica mais fragilizada para resistir. O discurso conservador assusta e promove debates como estes porque ele não está mais em uma esfera geral, mas nos alcançou dentro dos nossos próprios espaços artísticos (muitas vezes institucionalizados) pensados antes como seguros para falarmos sobre nós e estarmos com certa liberdade de criação e de ações políticas. O consenso do debate foi encaminhado para uma arte sem hierarquias, que promova debates e reflexões políticas em diversos espaços possíveis. A hierarquia também não deve se fazer entre as formas de arte escolhidas para esse fazer politico, pois existe lugar tanto pra arte que discute a partir da sensibilização ou a arte que choca. A arte em si, já é revolucionária por se fazer nos mundos dos sentidos subjetivos e promover reflexões e experiências estéticas e sensoriais que são renegadas e consideradas antiprodutivas em uma condição capitalista. Sermos artistas é uma extensão do nosso ser, e se a militância existe, ela existe em todos os espaços, institucionalizados ou não, e a arte vai de encontro. Precisa cada vez mais ocupar e se tornar presente, seja como um meio de mudar ou escape para resistir.
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